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Narrativa visual de quadrinhos: “mostre, não conte”

Existe uma “regra de ouro” no mundo do storytelling, ou “contação de histórias”. Mostre, não conte.

Esse expressão quer dizer basicamente que em vez de você contar o que está acontecendo através de um texto ou através de algum personagem explicando, você deve mostrar como aconteceu no decorrer da história.

Para explicar melhor, imagine que um personagem de uma história chega em um lugar e começa a contar o que aconteceu para outro.

“João chega em casa ofegante e diz para Márcia:

– Eu fui até a casa do vizinho, e quando cheguei lá ele estava deitado no chão. Corri para ver se ele estava vivo. Percebi que ainda respirava, então corri para o telefone e liguei para a emergência.”

De uma forma bem simplista, isso seria um “conte” e não um “mostre”.

Se estamos falando de um texto, um romance ou um conto, talvez essa cena pudesse ser descrita em ações e não com um personagem contando. Vamos tentar um exemplo.

“João se dirigiu até a casa do vizinho para pedir um pouco de farinha. Ele conhecia seu Francisco desde criança.

Ao entrar ele se depara com a casa toda acesa. Luzes, televisão, fogão. Mas apesar de chamar pelo nome de Francisco, não ouviu resposta.

Curioso e preocupado, João resolve adentrar pelos cômodos da casa e procurar por seu vizinho. Olhou pelos cômodos do andar térreo e não encontrou ninguém.

Ao chegar próximo da escada que leva para o segundo andar, João viu os pés de Francisco. Ele estava caído lá em cima, ao final da escada.

João sobe correndo e ao chegar vê que seu vizinho parece desacordado. Ele verifica seu pulso e percebe que está apenas desmaiado. João, assustado, saca o telefone celular do bolso e liga para a emergência.”

É claro que esse texto é um exemplo bem bobo, mas o que estou tentando demonstrar é o que quer dizer o “mostre, não conte”.

Bom, isso no caso de uma história contada através de texto. Que tal vermos um exemplo em quadrinhos.

Para isso vou usar minha própria história, chamada Magnos.

Página 07 do prólogo de Magnos (leia esta hq online clicando aqui)

Essa é uma página que demonstra como um “conte” pode ser utilizado dentro de uma HQ.

Em vez de mostrar a infância da personagem com o pai usando várias páginas, resolvi utilizar uma montagem de lembranças com caixas de texto.

Ela não “mostra”, e sim literalmente expõe em palavras qual é o grande objetivo dela.

Mas tá errado então? Afinal a regra é mostre, não conte.

Depende.

Vamos por partes aqui.

Primeiro vamos analisar como a narrativa visual de quadrinhos funciona.

Para isso, vou me apropriar de um dos conteúdos que mais me ajudou quando eu resolvi começar a estudar a criação de histórias em quadrinhos e também a narrativa visual de HQs: o livro Desvendando os Quadrinhos, de Scott McCloud.

McCloud fala sobre a evolução da forma de contar histórias com textos e imagens. Uma coisa complementa outra.

No capítulo seis do seu livro, Scott McCloud define seis categorias que descrevem as combinações pelas quais palavras e imagens podem interagir nos quadrinhos.

Específica de palavras

Figuras ilustram, mas não acrescentam nada a um texto.

Específica de imagem

Palavras só acrescentam uma trilha sonora a uma sequência de visualmente falada.

Duo-específicas

Palavras e figuras transmitem a mesma mensagem.

Aditiva

Palavras ampliam ou elaboram sobre uma imagem.

Paralelas

Palavras e imagens seguem cursos diferentes, sem intersecção.

Montagem

Palavras são parte integrante da figura.

Obs: Estas imagens foram retiradas desta fonte.

Aqui nós vemos que existem muitas formas de contar uma história combinando palavras e imagens.

Então, seria errado colocar caixas cheias de texto explicando algo?

Na verdade não.

Faz parte do contexto de histórias em quadrinhos que você aproveite todas as opções que fazem sentido para que sua história seja contada da melhor maneira possível e também nas especificações que você tem.

No caso na página de Magnos que utilizei de exemplo acima, “contar” em vez de “mostrar” foi uma escolha.

Eu escolhi fazer dessa forma porque tinha 15 páginas para contar a história do prólogo e só mostrar a infância da personagem principal com seu pai tomaria muito mais do que isso.

Além de introduzir alguns conceitos do mundo em que a história acontece (como os Magnos, por exemplo), eu precisava ter uma história com começo, meio e fim que também fizesse algum sentido para o leitor.

Para essa história, para este prólogo em apenas 15 páginas, “contar” sobre o pai da protagonista me pareceu a melhor escolha.

Então não tem certo e errado?

Mais ou menos por aí.

O que existe é uma escolha que faz sentido para cada situação específica.

Nós precisamos tomar decisões em tudo que fazemos na vida. E escolher algo é sempre deixar de escolher as outras opções.

Se você pode contar sua história sem precisar usar o “conte” e usando apenas o “mostre”, então ótimo.

Agora se você tem certeza de que usar apenas um quadro com textos, por exemplo, para não gastar um monte de páginas com uma história secundária, então vá em frente!

Eu vejo muitas pessoas reclamam de “exposição” (exposition, em inglês), que é literalmente o nome que se usa para “conte”.

Mas pense bem, grandes filmes como Star Wars começam com um grande “conte” já de cara.

Aquele famoso texto subindo e desaparecendo no espaço sideral é um grande exemplo de “conte” e nem por isso faz a história não ser interessante.

No final eu vou ter que escolher mesmo…

Exatamente.

Você como autor ou autora, precisa tomar decisões o tempo todo na criação de sua história.

Essa é apenas mais uma delas.

Links úteis para você

Quem sou eu pra falar de narrativa visual, storytelling e mostre, não conte?

Meu nome é Marcus Beck e sou quadrinista e criador do curso HQ na Prática. Meu objetivo é trazer o máximo possível de informação sobre como criar uma história em quadrinhos.

Publiquei minhas webcomics (quadrinhos online publicados na internet) por mais de dez anos e aprendi muitas lições sobre o que deve ou não ser feito para que as HQs sejam as melhores possíveis.

Quando eu comecei a criar meus quadrinhos eu gostaria muito que tivesse conteúdo sobre o assunto para que eu não tivesse que aprender tudo sozinho. É por isso que criei esse canal e também o meu blog, para ajudar quem está passando pela mesma situação que eu estive quando comecei.

Faço o possível para responder todas as perguntas, por isso fique a vontade para comentar com todas as suas duvidas. =)

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Todos os meus quadrinhos para ler em um lugar só

Uma novidade para facilitar quem gosta de ler minhas HQs. A partir de agora coloquei todos os meus quadrinhos para ler em um lugar só, na Fliptru!

Fliptru é uma ferramenta de leitura de quadrinhos e lá você tem acesso a todos para leitura online.

Se você quer publicar sua HQ na plataforma também, tem um link no topo do site da plataforma onde você pode se inscrever para ser autor na Fliptru.

A ferramenta ainda está no começo, mas ela tem uma proposta de ajudar os autores independentes de webcomics a divulgar seu trabalho e ter um espaço simples para que possam publicar todas as suas HQs.

Clique aqui para ir para o meu perfil na Fliptru e veja todos os meus quadrinhos para leitura online.

Nessa ferramenta alguns dos quadrinhos estão marcados como “Privado”, mas basta que você crie uma conta gratuita lá para ter acesso.

No momento tenho todas as minhas HQs curtas e também as minhas séries em quadrinhos disponíveis para ler online.

  • Magnos (prólogo da série online)
  • Viajante (Hq curta)
  • Passageiro (Hq curta)
  • Cão de Rua (Hq curta)
  • Tailer (série com 12 capítulos)
  • Baguadao (Hq curta)

Se você gostar das HQs, não esquece de deixar um comentário por lá e também de divulgar nos botões de redes sociais que você encontra em todos os quadrinhos.

Clique para ler o prólogo da série “Magnos”
Clique para ler a HQ curta “Viajante”
Clique para ler a HQ curta “Passageiro”
Clique para ler a HQ curta “Cão de Rua”
Clique para ler a série em quadrinhos “Tailer”
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Um grande erro – Diário de criação de uma HQ #003

Essa é mais uma entrada no diário (que não é feito todo dia) de criação de uma história em quadrinhos.

Já falei sobre o começo da criação da HQ na entrada #001 e falei sobre o desenvolvimento dos personagens na entrada #002.

Hoje quero falar sobre algo que acredito que aconteça com muitos quadrinistas independentes por aí e que aconteceu comigo nestas últimas semanas.

Fiquei totalmente travado na hora de desenhar as páginas.

O erro que cometi

Mesmo já tendo o roteiro pronto para o primeiro capítulo da minha história em quadrinhos e faltando apenas sentar em frente ao computador e desenhar as páginas… eu travei.

Cheguei a desenhar duas páginas, mas tive muitas dúvidas sobre como seriam certas coisas no mundo em que a história acontece.

Como seriam as cidades, as roupas das pessoas, etc. Apesar de ter uma ideia bem clara das referências que vou usar para a criação do mundo, senti que faltou me preparar melhor para essa fase.

No momento em que vamos desenhar as páginas precisamos ter tudo isso muito bem pensado. É preciso já ter as referências que você vai usar e já ter planejado a maioria das coisas.

Percebi isso tarde demais. E acabei travado para continuar criando as páginas.

Foi um erro que me atrasou muito no planejamento dessa HQ, mas só agora percebo o que preciso fazer.

Antes de colocar toda a história no papel de vez, vou desenhar as coisas necessárias para todo o cenário e os figurantes desse capítulo. Assim, durante o processo de desenho das páginas eu não vou mais ficar travado com a decisão de como fazer alguma coisa.

Analisando o erro

Parece um erro muito bobo esse. E foi mesmo. Um erro de principiante. Mas então porque eu cometi esse erro já tendo desenhado tantas HQs no passado?

Analisando friamente agora, com mais calma, eu só criei histórias em quadrinhos que aconteciam no tempo atual e no mesmo mundo em que vivo meu dia-a-dia.

Tailer, minha última aventura em criar quadrinhos antes da atual, acontecia em uma cidade normal dos dias atuais e com referências do lugar onde cresci.

Com isso não precisava planejar o que usaria como referência para roupas, pois via as pessoas com as roupas que desenhava todos os dias. Não precisava pensar nos cenários, pois andar na rua já era o suficiente para entender como deveriam ser as construções e ruas onde a aventura acontecia.

No caso de Magnos, a HQ que estou criando agora, eu resolvi criar um mundo novo. Diferente de tudo que já fiz e baseado não na Europa Medieval ou no Japão Feudal, mas sim na época mais colonial da América do Sul.

Esse é um grande desafio para mim, pois não existem muitas referências na arte popular para esse tipo de world building.

Foi essa decisão que me levou ao erro de achar que eu já podia desenhar as páginas, quando na verdade ainda falta uma fase de planejamento antes disso acontecer.

Nas próximas entradas do diário vou mostrar essa fase que eu estava “pulando” sem perceber.

O resultado

Como resultado desse erro eu vou jogar fora algumas horas de trabalho. Vou ter que redesenhar as duas primeiras páginas da história, afinal estou repensando o mundo em que ela acontece.

Na primeira página eu tive horas de trabalho apenas no primeiro quadro. Onde eu desenhei um cenário enorme baseado em uma foto. Só que ele não ficou de acordo com o que eu quero para a Vila Peregrina, local onde o primeiro capítulo acontece.

Essa pequena vila acabou ficando aparentemente muito mais populosa do que deveria ser nesse quadro.

Ela deveria ser muito menor, porque tem uma importância geopolítica praticamente insignificante e isso é um fato importante para o contexto da história.

Por isso a importância da experiência com diferentes tipos de histórias, para entender que cada uma traz desafios diferentes.

Bem, agora vou voltar para a prancheta e continuar trabalhando na construção do mundo, visualmente falando, em que Magnos acontece.

Me conte nos comentários se algo assim já aconteceu com você também.

Até a próxima!