em Crônicas

Basta dar um play e se transportar através do tempo

Poucos dias atrás eu descobri o Daily Mix do Spotify. Estava cansado de escolher músicas para ouvir enquanto trabalho e queria delegar essa responsabilidade para outrem.

O Daily Mix prepara cinco listas de diferentes estilos musicais baseado no que você costuma ouvir. Resolvi dar uma chance para uma delas e dei o play.

Uma das listas continha músicas de meados dos anos 2000 e a primeira já me transportou diretamente para uma lembrança gostosa.

Eu me impressiono com o fato de que os primeiros acordes ou batidas de uma música são o suficiente para ativar algo no cérebro que faz com que ele reviva um momento específico do passado.

Com uma das músicas voltei para um palco onde a Karma Patrol, minha banda na época, fez o que consideramos a melhor apresentação da nossa curta história. Participamos de um festival/concurso num gelado inverno em Florianópolis.

Senti o cheiro do gelo seco, a aflição de não estar enxergando as casas do baixo por conta do breu e da fumaça. Lembro da emoção de ter acertado o riff na hora que a música começou e de me soltar depois disso. De várias apresentações aquela foi a mais inesquecível. Rolou até bis

Outra música me levou para um tempo onde eu, muito jovem, arriscava qualquer coisa por um sonho. Me vi deitado em um colchão estendido no chão de uma escola em Uberlândia, sem o mínimo dos confortos, como ter uma geladeira ou fazer três refeições por dia.

Ali vivi por alguns meses em busca de sucesso em uma carreira incerta que fazia parte de um propósito maior. Larguei aquilo que seria o mais promissor dos trabalhos no conforto de minha cidade para arriscar tudo em outro estado, longe de casa.

Logo depois surgiram as notas iniciais de uma canção que marcou um verão tranquilo, com muita praia, muitos encontros com os amigos e paixões que não duravam mais do que um final de semana. Morava com os pais e ainda assim só reclamava da vida, queria morar sozinho. Se eu soubesse o que me aguardava nos anos seguintes…

Outra música me leva ao primeiro apartamento em que morei sozinho. Minha primeira casa. Alugada. Lembro de decorar pessoalmente cada pedacinho do espaço. Referências orientais por todos os cantos. Ideogramas, estátuas, leques pintados e um incensário de bambu.

Apesar da música ter me trazido essa lembrança, ela desaparece quando me vejo deitando no sofá em silêncio no início da tarde de um dos dias raros em que podia fazer relaxar após o almoço. Ouvia o vento movendo as árvores à frente da porta da sacada e era uma canção de ninar. O vento adentrava a sala e eu cochilava numa tranquilidade dificilmente encontrada nos dias de hoje.

A viagem foi ainda mais longe com a próxima música. Estava de volta à uma praia do litoral sul de Santa Catarina. Um adolescente que tinha prazer em se isolar e ficar ouvindo música sozinho dentro do carro do pai em dias chuvosos de verão. Enquanto os primos, irmãos ou tios jogavam algo para se distrair dentro da casa da vó, eu preferia a companhia das músicas que poucos deles apreciavam.

As histórias continuam aparecendo a cada nova música conhecida que toca. A viagem é tão prazerosa que pulo aquelas que não conheço ou que não me trazem memória alguma.

A lista de músicas do Daily Mix é infinita. Se deixar tocando ela não para nunca, vai adicionando novas músicas à playlist eternamente. Corro o risco de ficar preso no passado, sem conseguir voltar.

É hora de vir para o presente e criar novas memórias para o futuro. Podem não ser tão marcantes quanto essas, mas existirão.

Desligo o Spotify e levanto para tomar um café. Volto ao trabalho em seguida.

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